Numa carta aberta enviada à Ministra da Agricultura e do Mar, Assunção Cristas, várias ONGs (Sciaena, WWF Portugal, SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves e APECE – Associação Portuguesa para o Estudo e Conservação de Elasmobrânquios e DSCC – Deep Sea Conservation Coalition), apelam à ministraque apoie e assuma publicamente a proibição por parte do nosso país em relação à utilização do arrasto de fundo e das redes de emalhar de profundidade em alto mar, no início de Junho deste ano, nas águas do Atlântico Nordeste.
Segundo as ONGs, este passo é fundamental e Portugal deve assumir a liderançano decorrer das negociações, no Conselho Europeu, de forma a assegurar que o arrasto e as redes de emalhar de profundidade por embarcações de outros países da União Europeia também é proibido nestas áreas, assim como noutras águas comunitárias e no alto mar do Nordeste do Atlântico.
Exma. Professora Doutora Assunção Cristas,
Ministra da Agricultura e do Mar
Lisboa, 30 de julho de 2014
Assunto: Alargar a proteção das águas profundas preconizado por Portugal
Exma. Sra. Ministra Assunção Cristas,
Aplaudimos a sua decisão em aprovar a portaria n.º 114/2014, que regula as pescas de
profundidade numa área que inclui zonas dentro do limite das 200 milhas de Zona Económica Exclusiva e de alto mar, na zona abrangida pela plataforma continental estendida de Portugal ao abrigo da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Apreciamos particularmente o facto desta legislação proibir a utilização das artes de pesca mais destrutivas por parte das embarcações portuguesas – as redes de arrasto e de emalhar de fundo.
O novo regulamento, que complementa e amplia um regulamento comunitário aprovado em 2005 e que proíbe a pesca com estas artes fundo em profundidades abaixo dos 200 metros nas águas dos Açores e da Madeira, é um passo excepcional para a proteção dos ecossistemas do fundo do mar, como os corais de águas frias e montes submarinos do impacto nocivo destas artes de pesca.
Portugal deveria agora tomar o próximo passo para assegurar que estas áreas são
também efetivamente protegidas da pesca de arrasto e redes de emalhar de fundo
por parte de embarcações de outros países.
O Conselho Europeu está atualmente a debater um novo regulamento para a gestão
da pesca de profundidade no Atlântico Nordeste para proteger os ecossistemas de
águas profundas do impacto destrutivo da pesca de arrasto de fundo. A Comissária
Maria Damanaki propôs a eliminação gradual do uso de redes de arrasto de fundo
no alto mar e uma mudança para artes e métodos de pesca seletivos e de baixo
impacto.
Agora que o novo regulamento proíbe as embarcações portuguesas de utilizar o arrasto de fundo nas zonas de alto mar em redor dos arquipélagos dos Açores e da Madeira, esperamos que Portugal assuma a liderança no decorrer das negociações, no Conselho, de forma a assegurar que o arrasto e as redes de emalhar de profundidade por embarcações de outros países da União Europeia também é proibido nestas áreas, assim como noutras águas comunitárias e no alto mar do Nordeste do Atlântico.
Sabemos que Portugal já apresentou a sua posição sobre este assunto no Conselho mas, tanto quanto sabemos, esta posição não foi tornada pública. Portugal deve clarificar publicamente a sua posição, por motivos de transparência e para permitir um debate público informado sobre a posição nacional nesta crucial legislação comunitária. Particularmente, estamos interessados em saber se o governo português apoia a proposta da Comissão para eliminar gradualmente o arrasto e as redes de emalhar de profundidade, e as disposições aprovadas pelo Parlamento Europeu que iriam, entre outras medidas, requerer estudos de impacto ambiental para as pescarias de profundidade.
Como é do seu conhecimento, o arrasto de fundo em alto mar é amplamente reconhecido como uma das práticas de pesca mais destrutivas e a mais séria ameaça aos ecossistemas de águas profundas no Atlântico Nordeste. Dois estudos recentes destacam as constantes preocupações dos cientistas sobre o impacto da pesca de arrasto no fundo do mar:
Num estudo publicado em abril deste ano na revista Nature, investigadores açorianos do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores descobriram que o impacto negativo da pesca de arrasto em corais e esponjas em montes submarinos no Atlântico Nordeste é provavelmente 296 a 1719 vezes maior do que o impacto da pesca de palangre – o método de pesca de profundidade mais utilizado nos Açores e na Madeira. Os autores do estudo concluíram que “o arrasto de fundo de profundidade é o mais destrutivo método de pesca de profundidade e um assunto preocupante à escala global” e que “a não ser que sejam levadas a cabo mudanças radicais a nível da governança e da gestão, os danos aos ecossistemas de profundidade serão em breve irreversíveis”.
Um novo estudo publicado em maio deste ano na revista Proceedings of the National Academy of Sciences descobriu que “arrasto de fundo intenso e ininterrupto é responsável por transformar grandes porções do talude continental profundo em desertos de fauna e paisagens marinhas altamente degradadas”. O estudo concluiu que a pesca de arrasto de fundo “representa uma grande ameaça para os ecossistemas do mar profundo à escala global”.
Finalmente, gostaríamos de realçar que durante a última década o tema da pesca de profundidade destrutiva tem sido alvo de intensas negociações na Assembleia Geral das Nações Unidas e em reuniões da Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica e da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – negociações onde Portugal tem tido um papel significativo e construtivo. É urgente que uma abordagem semelhante seja adotada nas negociações para a nova legislação comunitária para a gestão das pescas de profundidade para proteger a biodiversidade no ambiente marinho e assegurar pescarias de profundidade sustentáveis.